terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Comportamento incorrecto

Despedi-me das coisas e encarnei feito gato. Sem querer saber de obrigações, devoções ou paixões.Apenas o lado prático e vital das novas necessidades: comer, dormir, andar às gatas e preservar o meu território. Ao fim e ao cabo o que fazia enquanto ser humano, mas sob formas muito mais complicadas. Agora é a simplicidade de saber o que quero a cada instante. Sem ambiguidades. Tenho os meus amigos e os meus cantos preferidos. Só o meu gosto musical se alterou - gostava do John Coltrane e agora não consigo suportar aquelas notas altas. Paciência, abri os ouvidos para outros sons.
Passo a maior parte do tempo deitado ao sol. Preguiça, pensam os humanos com as suas complicações. A poupar forças, imaginam os outros gatos. A meditar, sei eu bem o que faço. E essa é a traição feita pelo Deus que me permitiu assumir o corpo de gato. Se penso começo com os meus problemas. A existência, a finalidade da vida, o que fazemos aqui na terra, qual o papel de cada um. São alguns dos vossos problemas, não são? Mas ainda tenho uma vantagem: o instinto em mim tem muita força e, quando começo a debater-me com problemas existenciais, basta passar uma gata que deita por terra todas as minhas teorias.
Tenho medo é de quando deixar de ligar às gatas para ficar a pensar. Aí volto a reencarnar como humano? Deus não me deve dar nova oportunidade, tenho de gerir este estado muito bem. Desculpem, tenho de ir. Vem ali um gato a entrar nos meus terrenos.

4 comentários:

  1. Grande por demais, SEK!Nem sei que dizer...Era do género de escrita que nunca pensei que fosses capaz de escrever...Estou a digerir amigo, a degerir lentamente...

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  2. Este gato não tem comportamentos incorrectos. É um gato lindo!

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  3. "Pacientei", diz o gato, "duma vida sem regime?" diz o humano. O humano, de novo: "falta-te o essencial, que é o estímulo, a vertigem". O gato ri-se e acrescenta: "volúpia do aborrecimento, é o que é". Envolvidos na simpatia da opinião, o gato ainda: "sabes, acho que um homem forte é um homem só, tu estás demasiado acompanhado". "Achas?, Se calhar não tens razão, olha que a minha solidão e reflexão têm reclamado mais escrita".

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  4. Olá Sek, mais um belo texto criado por ti como tão bem o fazes, senti algo de desabafo sobre a nossa frágil existência humana e neste caso do homem em relação á mulher, mas bem escolhida a reencarnação em forma de gato embora também um ser frágil no meio dos humanos, pois pode por eles ser acarinhado ou torturado, tenho andado ausente de comentar mas acompanho sempre os trabalhos que estou a seguir, espero que estejas bem, grande abraço e bom fim de semana.

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